23.10.07




Irritação du Jour

Não sei que língua falam e escrevem os responsáveis pelos textos lidos pelas locutoras da Band News! Todas as notícias terminam com "de [lugar], fulano de tal tem outras notícias". O irritante é que o fulano sempre entra no ar falando da mesma notícia de que a locutora estava falando, ou seja, o fulano apenas apresenta mais informações a respeito da mesma notícia. Onde estarão as outras notícias? Será que o redator queria dizer mais notícias? Será que nossos redatores já não sabem mais o que significam as palavras outras e mais? Que língua é essa que a Band News fala?

Tentei escrever à Band News, mas o email foi devolvido. Vai ver que estão recebendo tantas reclamações que cancelaram a caixa postal só pra não ter de melhorar a qualidade da programação.

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15.10.07




Exposição Lusa no CCBB

Visitei hoje a exposição Lusa, a Matriz Portuguesa, no CCBB. Aprendi muito, principalmente na sala que expõe as mercadorias do comércio internacional e a origem do nome de cada uma delas. É uma viagem incrível saber de quais línguas provêm até as frutas mais comuns no nosso cotidiano. Rica exposição, com objetos antiqüíssimos e muito bem-conservados. Um primor visual, mas só até certo ponto.

Logo que cheguei, vi que todos os textos explicativos eram bilíngües, em português e inglês. Ao ler o texto em inglês, fiquei admirada com tradução tão boa, tão fluente, principalmente por se tratar de órgão público - e todos já conhecemos a caca que os órgãos do governo brasileiro costumam fazer com as versões inglesas. Qual não foi a minha surpresa quando, ao ler um dos textos em português, dei de cara com "constituído por dentes de elefante". Achei esquisito e fui ao inglês, onde li "made from elephant tusks". Comecei, então, a desconfiar que o inglês não era tradução, mas original, pois os textos escritos originalmente em português dificilmente chamariam marfim de "dente de elefante", mas um tradutor desatento talvez o fizesse. Continuei a percorrer a exposição.

Mais adiante, na descrição do Astrolábio "Agostinho de Goes", encontrei isto:

Origem: Naufrágio da Nau Sacramento
Origin: Shipwreck Sacramento

Como é que um naufrágio poderia ser a origem de um astrolábio? Haveria alguém fabricando um astrolábio no momento do naufrágio? E a minha desconfiança subiu mais um degrau: aquilo só podia ser tradução e, mais uma vez, descuidada, pois a palavra "naufrágio" não admite esse uso em português, só no inglês:

ship·wreck (shĭp'rĕk') n.


    1. The destruction of a ship, as by storm or collision.
    2. The remains of a wrecked ship.
  1. A complete failure or ruin.

(The American Heritage® Dictionary of the English Language, Fourth Edition)

A acepção 1b (que marquei em vermelho) inexiste em português. Vejamos, portanto, o verbete naufrágio do dicionário Houaiss:

Naufrágio

n substantivo masculino

ato ou efeito de naufragar

1 Rubrica: termo de marinha.

afundamento de embarcação que sofreu acidente

2 Derivação: sentido figurado.

falta de êxito; malogro, fracasso, insucesso

Ex.: sua aventura acabou em n.

3 Derivação: sentido figurado, por extensão de sentido.

miséria física ou moral; decadência, ruína

Como está evidente, em português não damos o nome de naufrágio ao navio que naufragou; no vernáculo, naufrágio é o ato de naufragar, e não o navio naufragado. Os tradutores que perderam o ouvido para o português, ou nunca o tiveram, costumam cometer essas impropriedades.

Bom, até aqui, nada de novo sob o sol, mas o que me decepcionou muito foi o fato de ser uma exposição chamada LUSA, cujo tema era a história de Portugal e da língua portuguesa. Será que não existem redatores de língua materna portuguesa que sejam competentes para elaborar os textos dessa exposição? Será que é preciso apelar a traduções capengas de textos ingleses para expor justamente numa mostra com esse tema?

Como se isso não bastasse, alguns objetos em exposição têm uma linha cinzenta traçada no chão, porém não há avisos à altura dos olhos que alertem para a existência dessa linha. Na verdade, não há aviso absolutamente nenhum. Isso faz com que os visitantes paguem o mico de ser enxotados pelas moças que ficam sentadinhas à espera de quem ultrapasse a linha cinzenta, só para dar um "passa-fora", até que educadinho, porém não menos constrangedor.

E, para fechar com chave de ouro o festival de maus serviços, essas faixas cinzentas só existem em alguns locais, e não em todos. Quem não andar olhando para o chão, corre o risco de ultrapassar essas faixas seguidas vezes, e levar tantos "chega-pra-lá" não é nada agradável, principalmente quando a tal linha está em local que impede os deficientes visuais de se aproximar dos textos e, por conseguinte, os impede de ler. Fiquei sobremaneira irritada quando, ao ler um texto, fui interrompida pela leoa de chácara, que, mais uma vez, me mostrou a bendita faixa cinzenta. Perguntei-lhe como eu poderia ler e a gentil pitbull me informou que eu poderia ler ao lado do texto, e não em frente a ele, ou seja, que eu teria de ler o texto "deitado". Que belo tratamento a quem enxerga mal, não é mesmo? É isso que as instituições governamentais chamam de "inclusão do deficiente"? Deve ser, o CCBB é instituição governamental.

Em resumo: toda a beleza e suntuosidade da exposição foram por água abaixo nessas mostras da mais pura ignorância no trato com o público, e o que me ficou gravado no peito à volta para casa foi uma grande decepção, uma tristeza enorme, uma sensação de tempo perdido. É uma pena.

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