Artigo publicado no jornal português O Primeiro de Janeiro
Se, por um lado, os tradutores são mal pagos, não há uma lei que assegure os seus direitos e os contratos de tradução favorecem normalmente as editoras. Por outro, não são as editoras e o mercado os únicos culpados pelo emaranhado de confusões em que vive a tradução em Portugal.
Goreti Teixeira
Em Dia Mundial do Livro, o JANEIRO decidiu analisar como está a questão da tradução e dos tradutores em Portugal. Assim, falar em tradução pressupõe, desde logo, uma distinção. Existe a tradução escrita e oral, a interpretação, e dentro da escrita esta subdivide-se em literária, científica e técnica. No entanto, em Portugal, esta divisão parece não existir e a situação agrava-se quando lhe juntamos os tradutores. Aliás, são eles o fio condutor deste trabalho que pretende dar a conhecer um pouco da realidade do mercado da tradução em Portugal. Se, inicialmente, a abordagem ao tema incidiria no trabalho literário desenvolvido pelos tradutores António Pescada e José Colaço Barreiros, as críticas feitas por ambos levaram a posteriores contactos. Para trás ficaram questões como: Quais são as maiores dificuldades quando se inicia uma tradução? Que condições precisam estar reunidas para que se faça um bom trabalho? Em que línguas trabalham habitualmente? Já existiu algum texto que tenha resistido às tentativas de tradução? Ao de cima vieram questões mais problemáticas como o mau pagamento, a falta de uma lei que proteja os direitos dos tradutores, os contratos que favorecem maioritariamente as editoras, a não regulamentação da profissão de tradutor (e de intérprete) ajuramentado e a precariedade do ensino nesta área. Na tentativa de saber qual a situação dos tradutores e da tradução em Portugal conversámos com Francisco José Magalhães, autor do estudo sociológico «Da Tradução Profissional em Portugal». Para o presidente da Associação Portuguesa de Tradutores, o cenário “não é unilateral” e, portanto, deve ser analisada em várias vertentes. Do ponto de vista dos tradutores, faz o ponto da situação afirmando que, “são mal pagos, não há uma lei que proteja os seus direitos, as editoras recusam-se a assinar os contrato tipo da Sociedade Portuguesa de Autores ou o da APT. Também existe a confusão de considerar tradução literária tudo o que é publicado”.
Contratos
Sobre o mau pagamento, Francisco José Magalhães revela que, no caso da tradução literária, “há editoras que não pagam, porque não celebram contratos e quando o fazem o tradutor perde todos os seus direitos”, admitindo, no entanto, que existem editores que “pagam relativamente bem aos tradutores mais conhecidos do mercado”. Já em matéria de protecção afirma que, para os tradutores, “é melhor não assinar contrato, porque em caso de conflito acabam por estar protegidos pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, a lei nacional”. Mas caso assinem, o que acontece, é que os contratos apresentados não são o designado contrato tipo existente na Sociedade Portuguesa de Autores ou na APT que se distinguem pela neutralidade e no qual uma das partes não pode ter todas as vantagens da negociação, como nos contratos elaborados pelas editoras. A realidade é bem diferente e, normalmente, os documentos celebrados entre editores e tradutores implicam, “a cedência de todos os direitos por parte do tradutor, o pagamento fica abaixo do que é possível no mercado, os prazos de entrega são muitas vezes surrealistas e comportam penalizações financeiras caso estes não sejam cumpridos”, explica.
Confusão do mercado
A tradução escrita engloba a literária, a científica e a técnica. No entanto, esta subdivisão gera confusão no seio do mercado da tradução, em Portugal. Francisco José Magalhães acusa mesmo os editores de meterem tudo no mesmo saco para “pagar menos aos tradutores”. “Como deve calcular, a tradução de uma obra científica que, em princípio, só deveria ser feita por um especialista, tinha de ser paga a peso de ouro. Mas para o editor pagar menos considera-a tradução literária, embora existam excepções”, revela. Depois existem também as traduções técnicas, onde se enquadram as legendas de filmes, noticiários, conferências, teatro ou óperas, que circulam em circuitos específicos. O trabalho encomendado directamente pelo cliente ou pelas empresas de tradução, segundo o presidente da APT, “representa um volume de trabalho muito superior à edição editorial”. Mas tratando-se de uma situação que não é unilateral, Francisco José Magalhães aponta também o dedo aos tradutores considerando-os “os principais culpados pela confusão do mercado”, admitindo também que “existem ‘tradutores’ que não deveriam fazer traduções”.
A desunião da classe também contribuiu para agravar o cenário e ao contrário do que acontece com todos os países membros da União Europeia, onde os tradutores pertencem a uma associação, “aqui a primeira coisa que fazem é não se agruparem. Portanto, é-lhes mais favorável serem ‘patos bravos’, porque também assim podem procriar a sua incompetência anonimamente”, sublinha.
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Ensino modesto
Tradutor há 40 anos, Francisco José Magalhães lembra que quando começou não existiam cursos, mas “havia um bom entendimento entre os editores e os tradutores e a tradução era levada a sério”. Hoje, a tradução “está cheia de toupeiras e, cada ano que passa, a degradação agrava-se”. Aponta o dedo ao ensino, dizendo que, se em Espanha, existem Faculdades de Tradução e de Interpretação, aqui “existem modestos departamentos e a formação sofre com os vícios dos professores de linguística e de literatura. E alguns nem disso”. Com a adesão à Europa, em 1986, “fizeram-se cursos à pressa e convidaram-se para leccionar pessoas de todas as áreas menos da tradução profissional”. Em muitos casos, “os cursos não correspondem às necessidades do mercado e os jovens licenciados acabam por cortar nos preços, chegam a trabalhar de graça e, alguns, não sabem línguas, não percebem o que lêem, não sabem traduzir”.
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Tradutor e intérprete ajuramentado
A profissão de tradutor ajuramentado em Portugal não está regulamentada, ao contrário do que acontece em todos os países membros da União Europeia. Em 1998, Francisco José Magalhães denunciou a inconstitucionalidade junto do ministro da Justiça, o que levou à formação de um grupo de trabalho, constituído pela APT, API, APIC (secção portuguesa), SNATTI, Procuradoria-Geral da República, Serviços Notariais e o Ministério da Justiça, em vista da elaboração do diploma que regulamente a profissão de tradutor (e de intérprete) ajuramentado, ou seja, “aquele que pode certificar em nome do Estado português as traduções que efectua”, explica Francisco José Magalhães, acrescentando que “o diploma já está pronto há dois anos, só falta a assinatura do senhor ministro. Mas parece que ninguém está interessado no assunto”. A manter-se este cenário, o presidente da APT afirma que, por ano, “continuam a perder-se centenas de milhares de euros em traduções de textos jurídicos que não são feitas em Portugal, porque não podem ser reconhecidas oficialmente”. Com a aprovação deste diploma seria preenchido “um vazio constitucional que data de 1933, onde se evoca a figura do tradutor (e do intérprete) oficial e, no entanto, a profissão nunca foi regulamenta”, explica. Para Francisco José Magalhães, a situação ainda é mais grave quando “existem tradutores que são obrigados por lei a colaborar com a justiça, mas que depois não são pagos porque não há dinheiro”. O JANEIRO tentou obter uma resposta junto do Ministério da Justiça, mas até ao fecho da edição não recebeu qualquer explicação.
(23/4/2006)
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