O Maldito "por" - E a saga continua
Esta semana vi, numa banca de jornais, um Dicionário ilustrado do carro, com 1318 verbetes anunciados na capa. Distraída, fui logo comprando, pois nunca se sabe quando será necessário consultar um dicionário desses. Quando cheguei em casa com o livro na mão, contente por ter um dicionário cujos verbetes vão de abafador a zona de deformação, olhando melhor para a capa, percebi o maldito por antes do nome do Bob Sharp. Por quê? Alguém explica? É claro que os meus leitores queridos têm dicionários em casa, não têm? Algum deles tem por antes do nome do autor?
O pior é que nem me lembro mais onde comprei, só sei que foi numa banca de jornais, mas pode ter sido em qualquer lugar, então não posso devolver e pedir o meu dinheiro de volta.
Dirão meus leitores que isso é um detalhezinho muito minúsculo para invalidar um dicionário tão útil. Sei não, sei não. Quem toma atitudes simiescas logo na capa deve fazer muitos estragos por dentro. Tá, vou abrir uma concessão: para quem não sabe qual é a diferença entre amortecedor e pára-choque, para quem nem imagina o que seja aerofólio, o bichinho até que deve ter lá a sua utilidade.
Mas, cuidado, leitores! Sempre com um pé atrás! Não se deve confiar num autor que mete um por antes do próprio nome. Como eu disse lá em cima, a coisa já extrapolou a mera macaquice, pois os livros de autores anglos não usam o by antes do nome do autor na capa nem na página de rosto! Essa praga de gafanhotos já ganhou vida própria, que nem o gerundismo, que hoje é muito mais amplo e irrestrito do que a mera macaquice do future substitute. No início era fácil descobrir a origem do gerundismo, mas agora a coisa já se infiltrou em todos os setores da vida brasileira (e quiçá lusitana) e - traço característico do brasileiro - virou a malandragem preferida de quem não leva a sério os compromissos assumidos com os clientes, sejam estes consumidores ou eleitores. Não é de admirar, portanto, que a macaquice do por tenha atingido níveis jamais praticados pelos macaqueados, pobres angloparlantes.
Ah, num creu neu? Então visitem uma livraria (real ou virtual, tanto faz) e confiram vocês mesmos as capas dos livros importados que encontrarem. Procurem a coqueluche da década, por exemplo, o Harry Potter. Dou um doce pra quem encontrar um "by J. K. Rowling" na capa!
- Ah, mas o livro que você está comentando é dicionário, não é romance - dirão.
Ótimo, então procurem dicionários na livraria. Quando encontrarem um por na capa, será assim: organizado por, compilado por etc. O por sozinho não quer dizer absolutamente nada! A alegação de elipse é a mais descabida! Elipse de quê? De um verbo na passiva? Excelente! Mas qual verbo?
- É óbvio que o verbo é "escrito" - dirão.
Ah, tá. Quero ver provar! Se fosse possível haver essa tal elipse, ela seria de qualquer um dos que usei acima "organizado", "compilado", e também poderia ser elipse de "roubado", "plagiado", "sacaneado", "vilipendiado". O cara que tascou o por na capa pode estar morrendo de rir ao ver que vendeu um livro plagiado por ele, mas os leitores brasileiros, que só sabem usar pronomes ingleses, compram, felizes da vida, achando que o livro foi "escrito" pelo meliante.
Vou parar por aqui porque o Bruce Lee está exigindo que eu volte ao trabalho. Bom carnaval para vocês e muito obrigada por prestigiarem o meu blog. Até de repente!
Labels: decalque, du jour jornalismo analfabetismo, language, lingüística, maldito por
5 Comments:
Isso me lembra a história (verídica) de um editor que dispensou a "foquinha" quando ela começou a escrever sua primeira matéria no jornal digitando "Lalda 1" (priscas eras...).
- "Lalda" não, minha filha... se você escreve laLda eu nem quero saber o que você tem a dizer!
Demissão sumária.
Muito boa essa história, Carla!
Valeu!
Quando era selecionadora de certa editora eu também reprovei alguns testes ao ler o título. Se era teste e a criatura já tinha errado feio no título, seria inútil ler o texto.
Vai ao encontro de suas observações sobre o "por"... já na capa? Sei não... melhor não ler o resto!
Há aqueles que preferem usar "by", pois o acham mais bonito. Credo!
Muito obrigada pela visita, pelo comentário e pelo link no seu blog, Robert! Volte sempre!
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