25.6.11




De como estragar o prazer de uma exposição de Laurie Anderson

[Observação prévia necessária: as traduções ridículas citadas abaixo são 100% humanas, não foram produzidas pelo Google nem por nenhuma outra máquina de tradução. Desta vez eu venho em defesa do Google, que jamais produziria imbecilidades tão grandes quanto essas que exponho neste texto.] 

Sou admiradora do trabalho de Laurie Anderson desde 1982, quando eu trabalhava na Fluminense FM e "Born, Never Asked" (juntamente com algumas outras faixas do LP Big Science) entrou na programação. Foi amor à primeira ouvida.

Termina domingo, no CCBB, a exposição I in You (Eu em Tu), de Laurie Anderson. Deixei para ir no apagar das luzes porque me conheço e sei que, se fosse logo no início, acabaria indo muitas vezes, mas andava muito ocupada na época da abertura.

Se não tivesse tido a infeliz idéia de ler as descrições das peças expostas, talvez eu tivesse saído de lá satisfeita por ter visto um apanhado de tudo o que essa grande artista fez em mais de 40 anos. Infelizmente caí das nuvens quando li as descrições impressas nas paredes. Eis o primeiro exemplo, extraído do catálogo, que está na rede em formato PDF (os grifos são meus):

BOWL AND BLADE 2010 
Arco de metal, lâmina de serra, acrílico e eletrônicos.
Sons e músicas são conduzidos através de um
bastão de vidro da base até a lâmina de serra e a
tigela, que atua como um alto-falante enfatizando
harmônicos.
Metal bowl, saw blade, plexiglas rod and electronics.
Sounds and music are driven up a glass rod from the
base to the saw blade and bowl which act as speakers
emphasizing harmonics.

 As nossas instituições estão nas mãos de gente sem a menor noção de decência, que só quer encher os bolsos e entrega a confecção e a tradução dos catálogos de exposições de arte nas mãos de gente que não entende absolutamente nada do assunto. No caso da tradução do catálogo, ficou bem claro que a pessoa que se atreveu a traduzir não passou do búqui uân. Como todos sabemos - e até quem ainda não concluiu o búqui uân - bowl é tigela; arco é bow!  Não havia arco nenhum em cima do disco de serra! Aquilo era uma tigela e a descrição em inglês dizia o mesmo: bowl! O nosso grande tradutor, porém, tascou um arco e ficou por isso mesmo, pois aquele catálogo deve ter passado por dezenas de mãos antes de ir para a gráfica, mas não houve sequer uma alma nessa maracutaia toda que se interessasse por fazer uma revisão. Afinal de contas, o rico dinheirinho dos nossos impostos já estava nas mãos deles, não é mesmo? Eis duas fotografias da obra Bowl and Blade (extraídas do catálogo):





A incompetência de quem se encarregou dos textos é tamanha, que não souberam nem fazer um simples "copiar/colar" de um texto, pois no catálogo impresso a palavra alto-falante está grafada corretamente, mas na exposição o asno que copiou do catálogo escreveu auto-falante! É! Assim mesmo! Com U! E esse auto-falante apareceu num texto que foi traduzido por alguém que nunca ouviu falar em toca-discos. Deve ser algum copanhêro adolescente, que já nasceu na era do DVD e acredita que o mundo foi criado no ano em que ele nasceu, pois disse que "turntable" (prato de toca-disco) é "arco giratório" e "stylus" (agulha de toca-disco) é "estilete"! Francamente! Vou copiar do próprio catálogo:


VIOPHONOGRAP H 2010

Violino com arco giratório,
estilete e alto-falantes
Violin with turntable and
bow with stylus and speaker
(para quem não entende inglês, a tradução correta seria "Violino com prato de toca-disco e arco com agulha e alto-falante) 

Também há uma performance chamada Delusion (ilusão, engano, delírio), que o tradutor jegue, ou jegue tradutor, acha que é Desilusão.


Agora me respondam, queridos leitores, dá para levar a sério uma instituição que usa o nome do Banco do Brasil? Esse bando que tomou conta de todas as instituições públicas brasileiras mais parece uma nuvem de gafanhotos a devorar o Brasil inteiro. Que necessidade monstruosa essa gente tem de destruir a cultura! Quando essa gente largar o poder (se um dia largar), não restará mais nada, pois já terão destruído tudo. E, além do mais, destruir a comunicação é destruir a própria governabilidade do país, é destruir a única possibilidade de transmissão de conhecimentos. Como transmitir conhecimentos contratando gente que não está capacitada a exercer a função para a qual foi contratada? Isso é apenas devorar os nossos recursos, sempre jogados nas mãos de incompetentes.

Lastimável!

Bem que eu gostaria que isso chegasse aos ouvidos ou olhos da d. Laurie Anderson, mulher de talento e competência inegáveis, que foi enrolada, enganada, iludida por um bando de vampiros brasileiros!

Para completar, também havia casais que levaram seus respectivos pimpolhos, que ficaram fazendo barulho, falando alto, arrastando os pés no chão onde não deviam. Havia vigilantes a dar com pau, surgiam do nada. Quando tentei fotografar SEM FLASH um desses textos das paredes, o sabujo apareceu imediatamente para dizer que não pode. As crianças pequenas, de 3 ou 4 anos de idade atrapalhavam, incomodavam, eram super inconvenientes, mas não havia sabujo que pedisse aos pais que dessem um jeito nas pestinhas. Falta de educação generalizada.

Essa foi a segunda vez que visitei uma exposição no CCBB (as outras idas foram para shows de música ou filmes, coisas em que é mais difícil meter a pata para destruir), mas, pela segunda vez, voltei para casa decepcionada. Não com a obra dos expositores, mas com o pouco caso do governo brasileiro para com a cultura e a arte. Isso me dá náuseas. A outra exposição (da qual também falei neste blog) foi sobre Portugal, também feita igual à cara de quem a organizou.

O vídeo de hoje não poderia deixar de ser da minha ídola vilipendiada pela petralhada: Laurie Anderson!






Adendo: 

São tantas as imbecilidades que não paro de tropeçar nelas toda vez que olho para algum material do CCBB. Estava eu há pouco lendo o folheto da exposição quando dei de cara com o nome de um espetáculo da Laurie Andersen que, em inglês, é "Home of the Brave". Sabe qual é a tradução que está lá? "Casa do Bravo"! Quando a gente pensa que pior não fica, vai ficando cada vez mais! 











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