5.12.11




Curso de Tradução em Gotas II

A gota de hoje tenta ressuscitar um tempo simples: o futuro do presente.

Depois que o analfabetismo funcional tomou conta do mercado de trabalho, começaram (e não as pessoas começaram, como vimos na gota passada) a inventar cursos de extensão, de especialização, pós-graduações lato sensu, mestrados, doutorados, pós-doutorados, pós-pós-pós doutorados, mas ninguém se propôs atacar a raiz do problema. O analfabetismo funcional é uma erva daninha que precisamos extirpar pela raiz. Enquanto as crianças não saírem do ensino fundamental como saíam há mais de 40 anos – A-L-F-A-B-E-T-I-Z-A-D-A-S – não vai adiantar criar todos esses cursos de pós-qualquer-coisa, pois nada vai mudar: o povo sai da faculdade com trocentos canudos, mas não sabe ler nem escrever. E, pior: acha que sabe, pois as escolas se esmeram no estímulo da autoestima, sem ensinar nada de consistente.
Para não reinventar a roda, reproduzo aqui um trecho do texto brilhante do nosso colega Carlos Ramalhete:

Ao cabo dos 12 ou 13 anos que passam nos bancos escolares, a regra é os alunos saírem analfabetos funcionais, mas com uma auto-estima grande o suficiente para acharem que merecem prêmios por simplesmente existir e um compromisso pessoal com uma "mudança de paradigma" – não que saibam qual era o anterior, ou sequer o que venha a ser um paradigma, mas aí já seria querer demais, não é mesmo? Aprender palavras difíceis já pareceria demais com o temido ensino tradicional... (http://www.neae.com.br/default.asp?id=44)

É por isso que este nosso curso em gotas, no fim das contas, será melhor que qualquer pós-pós do ensino mercantilista, pois nossas aulas são práticas e quem quiser pode fazer uma doação de qualquer quantia, de preferência inferior à cobrada por essas pós-pós-pós que nada de útil ensinam. É só fazer uma transferência via Paypal para o meu email (jussara@simoes.com) Este cursinho é shareware, só faz doação quem achar que é útil.

Hoje o nosso assunto é uma pequena, minúscula microintrodução a um assunto vastíssimo, que vale a pena pesquisar. Voltaremos a ele sempre que houver pedidos em profusão (tipo assim, dois ou três).

Uma coisa que a grande maioria dos tradutores da atualidade não aprende na escola é que um dia, muitos séculos atrás, o futuro do presente não existia na língua portuguesa. Tudo era tão primitivo quanto na língua inglesa: o que hoje é “viajarei” já foi, em priscas eras, “irei viajar”; “enviará” já foi “irá enviar”. Mas toda língua evolui, conforme berram com voz estridente os pobres linguistas da atualidade, que foram mal-alfabetizados e não sabem que trocar “enviará” por “irá enviar” não é “evolução”, é retrocesso! É uma língua evoluída (o português) regredir ao nível de uma língua primitiva (o inglês).

Tá, sei, não precisa gritar! Não sou surda! Sim, em certos aspectos o inglês evoluiu mais que o português, mas no terreno dos tempos verbais, oh my gosh!, não poderia haver língua mais pobre. Tudo bem, é questão de gosto, eu só dei a minha opinião, que é só minha e de quem mais quiser, mas você há de convir que nasceu e cresceu com uma pressão incrível do inglês na cabeça, né?

Quem leu bons autores nos anos de formação não consegue ouvir esse “irá enviar” sem sentir o sangue ferver nas veias. Mas não comecem a me xingar, por favor, pelo menos por ora. Vamos pensar juntos? Se o dileto escrevente decompõe o verbo em duas partes – ir no futuro do presente + verbo no infinitivo – para evitar o uso do futuro do presente, por que, pra começo de conversa, usou o futuro do presente no verbo ir? Se o escriba considera bonitinho partir o futuro em dois verbos por achar linda a formação do futuro inglês, tudo bem, pode partir o que quiser, pode até ir para o raio que o parta, mas que ao menos seja coerente! Não quer usar o verbo principal no futuro do presente porque o acha besta, pedante, metido a gostoso? Então que também não use o futuro do presente no auxiliar, ué!

Existe no Brazil de hoje um preconceito generalizado contra futuros simples. Afinal o inglês só tem pretérito simples, os futuros precisam de auxiliar, então que pretensão seria essa da nossa língua de querer usar um futuro simples, né? Justamente nós, tão inferiores aos súditos do rei Barack?

Tudo bem, crianças, não briguem comigo por causa disso! Já faz um tempão que usamos o auxiliar no presente do indicativo para indicar o futuro, uso esse perfeitamente aceito e adotado pela literatura de boa qualidade. Vamos relembrar, caso o meu querido leitor e a minha amada leitora tenham esquecido:

Ano que vem vou passar (passarei) as férias no Paraguai.
Irei passar é muito feio. Só fala e escreve assim quem não sabe o que fazer quando vê um futuro inglês: Next year I’ll spend my vacation in Paraguay.
Se o gringo usa dois verbos, que direito teremos nós, brasileiros, de usar um só? Esse negócio de fazer economia é pra pobre!

De vez em quando sou obrigada a tomar um antiácido ao visitar páginas internéticas. Mês passado, procurando me informar sobre um serviço novo, encontrei isto:

Ainda não foi divulgado quanto irá custar o serviço.
(in Olhar Digital)

O que terá o nosso amado prestador de serviços contra um “Quanto custará o serviço?”, ou, mais popular, “Quanto vai custar o serviço?”

Penso, penso, penso, penso e não encontro outra explicação: é a falta de preparo para o exercício da profissão de tradutor ou de redator que o levou a cometer esse “Quanto irá custar o serviço”. Isso é surdez linguística, é gente que não procura ouvir o que escreve, não percebe a feiura do que escreve. E os brasileiros, menos preparados ainda, copiam e colam sem raciocinar (não aprenderam isso na escola).

E tem mais! (Buemba! Buemba!) Até o Google Translator (ferramenta de nove entre 10 wannabes) inventou que o futuro do presente está errado! Estive na página www.google.com/translate e vejam o que encontrei lá.

Mandei traduzir:                                            Resultado:
Quanto vai custar o serviço?            How much will the service cost?
Quanto irá custar o serviço?             How much will the service cost?
Quanto custará o serviço?                Neste ponto, o Google tenta me corrigir e diz:
Did you mean: Quanto custa o serviço?

O Google, inconformado com a ousadia desses brasileiros, que teimam em usar o futuro simples, se confunde todo e troca o futuro pelo presente, tadinho.

Bom, como o nosso papo é homeopático, em gotas, fico por aqui hoje. Ainda há muito a dizer sobre os tempos de verbos, mas vamos bem devagarinho.

A música de hoje é muito fofinha e se chama “I will”, pra mexer com a imaginação da turma do “eu irei”. E até a próxima! Se quiserem sugerir algum tema, estejam à vontade! Também estarei (irei estar?) à vontade para não atender o pedido! 

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