24.5.11




O portinglês

Do Carlos Brickman, na edição de hoje do Observatório da Imprensa:

O portinglês
Winston Churchill, primeiro-ministro britânico na Segunda Guerra Mundial, conta no magnífico Minha Mocidade que, ao entrar na escola de elite em que o haviam matriculado, o professor quis ensinar-lhe a declinação da palavra latina "mensa" - mesa. O vocativo, explicou-lhe o mestre, seria usado se conversasse com uma mesa. O menino Churchill disse-lhe que não pretendia jamais conversar com uma mesa. Na discussão que se seguiu, Churchill acabou deixando a escola. E tomou uma decisão: não se dedicaria aos estudos de latim, nem de grego. Mas iria aperfeiçoar-se em sua língua, o inglês. E como se aperfeiçoou!
Bom, hoje vemos anúncios pedindo jornalistas com pós-graduação, domínio de duas ou três línguas, vivência internacional, e tudo por um salário que não paga nem os cursos. Funciona? Às vezes, funciona. Às vezes, dá coisas desse tipo:
1. "Oficiais da Federação Paulista de Futebol mostram total confiança (...)"
Official, em inglês, é alto funcionário. Em português, tem um monte de significados. E nenhum deles é o utilizado no texto.
2. (O jogador) "foi introduzido à torcida (...)"
Introduced, em inglês, significa "apresentado". "Introduzido" é outra coisa, mas deixa pra lá.

(a ilustração foi idéia minha)



E a música de hoje é o hino do Framengo em ingrêis
Deve ser da autoria de quem fez as traduções citadas acima. 




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8.3.08




Os "químicos" do sr. Marcelo Ribeiro

Estive numa página com inúmeras traduções ruins de notícias científicas.
Escrevi ao responsável pelos textos ruins para explicar que "chemicals" é uma coisa e "chemist" é outra, mas o sr. Renato Ribeiro não entendeu e ainda me chamou de analfabeta. É nisso que dá se meter a tradutor sem ao menos saber qual é a diferença entre substantivo e adjetivo, não é mesmo? E a analfabeta sou eu. Só rindo mesmo.

Eis um trechinho de um dos originais que o moço acha que traduziu:

Female mosquitoes - the only ones that bite - are attracted to body heat and chemicals in sweat like lactic acid. But earlier this year, scientists at Rothamsted Research in England found that bite-resistant people also produce about a dozen compounds that either prevent mosquitoes from detecting them or drive them away. (o grifo em "chemicals" é meu, para facilitar a localização da palavra).
(http://www.nytimes.com/2005/06/21/health/21real.html)

Vejam o que o sr. Renato acha que é a tradução:

Os mosquitos fêmeos – os únicos que picam -- são atraídas pelo nosso calor corporal, pelo dióxido de carbono que exalamos na expiração e por químicos no suor como ácido lático. Mas uma pesquisa realizada em 2005 descobriu que pessoas mais resistentes a picadas também produzem cerca de 12 compostos químicos que evitam que os mosquitos os detecte ou os repele.
(http://tecnocientista.info/ndNews.asp?cod=6435)

"Químicos" no suor acho que só poderiam ser personagens do filme Viagem Fantástica. (Para quem não conhece, é um filme em que uma equipe de cientistas se encolhe até ficar praticamente do tamanho de uma célula para viajar por dentro do corpo humano.)

Fiz uma cortesia ao sr. Renato Ribeiro e ele retribuiu me ofendendo, dizendo que eu não sei ler. E olhem que nem comentei nada a respeito dos mosquitos fêmeos e da concordância verbal em "12 compostos químicos que evitam que os mosquitos os detecte ou os repele".

Eu não traria aqui o assunto se ele não fosse tão mal-educado. O número de traduções erradas num sítio que se autoproclama "tecnocientista" está extrapolando em muito os limites da boa vontade dos leitores e é um desserviço às ciências, desmoraliza os cientistas. Não vi também onde foi que ele publicou a autorização do New York Times. Será que ele tem autorização para publicar essas "traduções"? Será que o NYT sabe disso?

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2.12.07




Decalcomania Du Jour

Tenho visto por aí a mania generalizada de fazer decalque do inglês em coisas que, em português, ficam com o signifcado oposto ao que teriam se em inglês estivessem.
Os neurônios dos brasileiros que fazem isso já foram devorados pelas leituras de inglês e de decalques.
Exemplo: Eu não poderia concordar mais. Em português, isso SEMPRE quis dizer que a pessoa um dia concordou e agora parou de concordar em razão de algum impedimento. Os autores dessas frases em português pretendem fazer decalque do inglês I couldn't agree more, mas pouco sabem tanto de inglês quanto de português. Caso soubessem, fariam a devida modificação que transformasse o I couldn't agree more em frase de teor semelhante em português. Em geral, o lusófono que não fosse decalcomaníaco, diria Concordo plenamente ou frases parecidas, de acordo com a tradição e a índole do vernáculo.

Cuidado com o decalque irrefletido, minha gente!

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11.11.07




Tradução erradíssima du jour

Estava na sala tomando um café com leite e vendo o filme Como se fosse a primeira vez, que está passando na Globo, talvez pela milionésima vez. Sou fã do Adam Sandler e resolvi ficar assistindo, mesmo depois que o café acabou. Sempre que esse filme passa, assisto a trechinhos e volto ao trabalho. O trechinho de hoje eu nunca tinha visto. A certa altura, começa a tocar Another Day do Paul McCartney, cuja letra sei de cor desde os 15 anos de idade.
O filme está dublado, mas a música foi legendada. Pelo sotaque dos dubladores, foi dublado no Rio (pode ser que não, já que hoje em dia há trabalhos compartilhados, mas neste filme as vozes são 100% cariocas).

Quando entraram as legendas eu estava despreparada para anotar qualquer coisa, portanto só pude decorar uma delas e corri para o escritório. Vejam a calamidade!

Original:
Slipping into stockings, stepping into shoes *
(Acho que a tradução poderia ser mais ou menos assim: Desliza os pés para dentro das meias e calça os sapatos. Ou algumas outras alternativas, que é o tipo de frase que admite isso.)

Quem legendou a música só fez confirmar o que sempre digo: quanto maior é o número de dicionários acessíveis, até mesmo de graça, na internet, maior é o número de ignorantes que não os consultam nunca! Além do mais "slipping into stockings" e "stepping into shoes" são frases de uma clareza praticamente cinematográfica na letra dessa música. Mas vejam a legenda:

Escorregando em meias, tropeçando em sapatos!

O que uma criatura dessas pretende? Minha nossa! E ainda tem gente por aí fazendo questão de bradar aos 4 ventos que as legendas estão cada vez melhores! Será que se referem à cor dos caracteres, que estão mesmo mais legíveis hoje em dia? Só pode ser, pois aquilo que li é um aleijão!

Em vez de moça organizada e arrumadinha, que vive uma rotina super monótona todos os dias, o nosso legendeiro improvisado transformou a coitada em uma criatura desmazelada, que espalha meias e sapatos pelo chão da casa. A isso denomino falta de responsabilidade total e irrestrita na tradução! Se eu fosse o Paul McCartney e tomasse conhecimento dessa tradução grosseira, juro que processaria os (ir)responsáveis por ela.

O que me revolta ainda mais é que essa porcaria passou por MUITOS olhos, passou até pelo "controle de qualidade" da Globo, que tem mania de rejeitar dublagens por qualquer bobagem, até pela falta de um batimento cardíaco.

Esse povinho que defende as legendas porque a qualidade anda maravilhosa não entende inglês, com toda certeza!


Só posso encerrar com uma frase do Umberto Eco que resume tudo o que eu sempre disse e todas as minhas batalhas (por sinal, sempre perdidas) no tocante à responsabilidade dos tradutores: Sempre considerei que a tradução propriamente dita é uma coisa séria, que impõe uma deontologia profissional que nenhuma teoria desconstrutivista da tradução poderá neutralizar.



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* (c) Copyright 1971 by Paul and Linda McCartney. McCartney Music, Inc., owner of
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